A crise obriga a fazer contas de “sumir”!
Atualmente, as atividades
destinadas às crianças, como oferta complementar à formação dada pelas escolas,
são uma realidade bastante presente na vida de alunos e encarregados de
educação. O leque de atividades que a nossa sociedade nos vai proporcionando é
cada vez maior, mobilizando as famílias, no sentido de complementar o trabalho
realizado pelos estabelecimentos de ensino e agregado familiar, através de momentos
lúdicos de aprendizagem, valorização pessoal e académico. A música, a natação,
o karaté, a dança, o futebol, a pintura… são algumas das atividades, que
obrigam pais e filhos a negociações intra familiares, para a decisão de escolha,
da(s) atividade(s) a frequentar. Esta negociação torna-se fundamental, pois o
leque de escolha aumentou de tal forma, que proporcionar a frequência de todas
as atividades consideradas atrativas, é uma opção impossível de concretizar.
Muitas vezes a pressão social e as tentações para que a criança frequente este
tipo de atividades é tão grande, que se proporciona ocupação de tempo pós curricular
para além do aconselhado. Não esqueçamos que a criança necessita de tempo para
si, como por exemplo para inventar as suas próprias brincadeiras, ou
simplesmente para estar de forma livre em ambiente familiar.
Mas a crise está a mudar a visão das famílias em relação a estas
atividades!
A certa altura, em conversa com
uma criança de 10 anos, perguntava porque é que ela tinha desistido de uma
atividade desportiva que até então frequentava. A resposta da criança foi
pronta e consciente: “ porque a minha mãe
ficou desempregada!” A criança educada, revelou alguma tristeza por não
frequentar a atividade de que gostava, mas admiravelmente evidenciou
compreensão perante a situação, afinal um dos elementos da sua “equipa” afetiva ficou sem emprego.
Quero dizer com isto que este momento
que atravessa o país, vai exigir a muitas famílias, uma adaptação significativa
de hábitos, pois como o dinheiro não estica, terão de se fazer opções. Sob o
meu ponto de vista, as crianças a partir de uma certa idade, não poderão ser
isoladas destes problemas, sendo fundamental que se explique as dificuldades e
a importância de estabelecer prioridades, proporcionando a aquisição de
instrumentos básicos de gestão!
O que muitas crianças tendem a perder?
Este tipo de
atividades, nas doses corretas e sendo escolhidas tendo em conta as
necessidades e motivações das crianças/família, tem uma relevante importância,
nomeadamente:
- No facto de
proporcionar momentos de convivência com outras crianças fora do contexto
escola;
- Proporcionar
uma abertura de horizontes culturais e sociais das crianças, expondo-as a
culturas e temáticas diferentes;
- Um
complemento ao desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças;
- Devido à
transversalidade de conteúdos, proporcionam um aumento do leque de
conhecimentos em diferentes áreas, cada vez mais importante no dia-a-dia;
- Entre muitas
outras…
A responsabilidade não será de quem está a
proporcionar este momento?
Gostaria de deixar aqui a
seguinte ideia do investigador Leandro Almeida, presidente do Instituto de
Educação da Universidade do Minho: "não
se consegue formar crianças felizes e ajudá-las a ter projetos de vida, se se
limitar a formação exclusivamente à aprendizagem básica". Assim, se as
famílias deixarem de conseguir proporcionar a música, a natação, o karaté, a
dança, o futebol, a pintura… alguém vai ter de encontrar uma solução! Segundo o
n.º 2 do Art.º 73 co Capítulo III da Constituição Portuguesa “O Estado promove a democratização da
educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola
e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a
superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento
da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de
solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a
participação democrática na vida colectiva.”
O que existe é bom mas não chega!
Muitos poderão ficar iludidos, anunciando
que as Atividades de Enriquecimento Curricular são o desejado complemento! Realmente
têm uma elevada importância, mas não podem ser vistas como o fim! Se analisar
cuidadosamente, são atividades complementares, mas pouco específicas para a
vontade de especialização de algumas crianças e famílias, não se podendo
substituir à aprendizagem p. ex. de um instrumento musical específico ou mesmo
à prática de uma modalidade específica. Hoje, sem pagar uma mensalidade, poucas
ou nenhumas crianças têm acesso à natação, ao piano, ao karaté, ao futebol à
pintura etc. E eu pergunto: Todas as famílias têm condições de pagar essas mensalidades?…
Se a igualdade de oportunidades está mencionada na Constituição, todas as
crianças motivadas para tal, não deveriam ter acesso a uma carreira de Picasso,
Mozart, Cristiano Ronaldo, Michael Phelps… Quem tem de proporcionar isso?
Pergunto eu!
REMANTE DA SEMANA: “A igualdade pode ser um direito, mas não há
poder sobre a Terra capaz de a tornar um fato.” Honoré de Balzac
Artigo Publicado no Jornal
Tribuna Desportiva de 6.11.2012
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